PRIMEIRO DIA DE AULA*
O ano, eu já nem lembro mais, só sei que o tempo não apagou da memória do menino, o momento em que chegava na escola pela primeira vez. Antes uma caminhada por um “campinho” onde outros meninos vestidos com roupas cerzidas, brincavam com “carros de lomba”, outros se deliciavam com a água cristalina do “poçinho”, que ficava quase nas terras dos Ruaro.
Eram três pavimentos, todos bem cuidados, com portas de madeira, vidros cristalinos e cortinas de pano, uma floreira emoldurava a escada de tijolos de barro que levava ao pátio, e à esquerda tremulava a Bandeira Nacional, símbolo de tanto patriotismo, mas os anos eram de “dureza”, e a bandeira estava ali não só por patriotismo, mas também por imposição.
Olhos esbugalhados, uma verdadeira “zoada” de vozes infantis tomava conta dos ouvidos do menino, que como outrora, era levado pela mão firme do seu pai, sendo conduzido à escola pela primeira vez.
As mãos do seu Alzemiro já trêmulas, pela ação do tempo, pela dureza da vida, mas lá estavam elas, cumprindo o ritual que já se repetira por seis outras vezes, lá pelas bandas de Tainhas, de Contendas, lá pelos “lados” de São Chico de Paula.
Agora estávamos na “cidade grande” e a escola tinha ao fundo do pavimento central as “privadas”, e antes disso, um grande espaço servia para as correias da meninada.
Ao fundo da secretaria,... humm ali estava à cozinha, de onde a D. Maria quase todos os dias fazia “brotar” um saboroso aroma de “creme com sagu”, mais ao lado, guardavam-se os “sons”... da Banda, que todo o mês de agosto de cada ano “acordava” com o bumbo, tocado pelo “Melara” que com certeza era o “maior” de todos naquela tenra idade.
Seguindo mais um pouco encontrávamos a Dona Magali, mãos postas à cintura de um corpo de pouco mais de um metro e meio de altura, mas que com a sua seriedade fazia tremer mesmo o maior dos “marmanjos” que se atrevesse a “circular” entre o pavimento da direita e a já corroída cerca que protegia o frágil corredor de um barranco de uns dois metros de altura.
Entre brincadeiras de “roda”, de “esconde-esconde”, de “mandraque”, de “pular corda”, de jogar “seis marias”, podíamos avistar boa parte da cidade. De lá víamos quase toda a Igreja de São Pelegrino, podíamos ouvir os sinos da Igreja “velha” do Pio X, por onde passávamos e encontrávamos o Pe. Bisi. Defronte à secretaria, podíamos ouvir o passar das águas pesadas do Rio do Tega, que rolavam a céu aberto, entre a escola e a Matheo Gianella, à direita víamos parte das arquibancadas de madeira do Estádio do Flamengo, e a esquerda a Cantina Aliança que naquele inicio de ano “exalava” o aroma do vinho novo.
E o “menino” estava ali, diante da sala número 11, onde a Dona Yole o esperava e a quem o Seu Alzemiro o entregou dando a ela total autonomia para aplicar os conhecimentos da “cartilha” e se preciso a dureza de um corretivo.
A escola continua no mesmo local, hoje tem ginásio de esportes, novos pavimentos, ampliou seus horizontes, “até estacionamento tem”, mas o que ficou na memória do menino, ainda está ali, preservado para que ele possa mostrar, onde, um dia foi levado pela mão de seu velho pai, e onde aprendeu os principais conceitos da vida.
Ela ainda está lá, na Guilherme Adamatti, no Pio X, onde o menino cresceu, mas guardou na lembrança as “Donas” Rosa, Yole, Leonor, Lazinha, Maria Nilse, Güerda e outras tantas a quem os meninos de hoje chamam de “Tia”.
Saudades do João Triches, “da Stecanella”, dos tempos em que brincávamos com o “Ciro”, dos bons tempos.
Pois é, o tempo passou, transformou nossas vidas e hoje somos o que fizemos, o que semeamos e colhemos tudo aquilo que nos foi dado como: - "um dia será o seu futuro" e como este "um dia" sempre esteve muito distante..., ... quando nos deparamos com uma mudança radical e isso nos faz refletir, buscar forças não para recomeçar, mas para fazer com que nossas engrenagens não parem e venham a ser corroídas pelo que nos resta desta vida terrena.
*Texto escrito em 10/11/2003 com o título original de "Lembranças da Infância".