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O DIA DA SURPRESA*

O Presidente do Brasil era o General Emilio Garrastazu Médici, o ano o de 1970 e primavera ainda não havia se apresentado por estas bandas, os galhos das arvores ainda estavam carcomidos pelo rigor do inverno e nossa memória ainda borbulhava pela conquista do tricampeonato mundial de futebol no México.

Nós estudantes do Grupo Escolar João Triches, de uma ou de outra forma assistimos a grande final. Nem todos possuíam aparelho de televisão em seus lares, ul "luxo" para a épóca, mas de uma ou de outra forma festejamos a conquista brasileira em terras mexicanas e mesmo com nove ou dez anos já manuseávamos as barulhentas e perigosas bombinhas onde as mais cobiçadas eram as chamadas de "500", pois eram as mais potentes.

Diferente de hoje, andávamos com tranquilidade pelas ruas e avenidas da cidade, todos os dias nos deslocávamos a pé de casa para a escola, da escola para casa e com desenvoltura até por endereços mais distantes de nossos domínios.... outros tempos.

Perigo?

Claro que existia algum perigo, principalmente os propiciados pelos cavalos soltos que pastavam diariamente nas cercanias do morro do pocinho que ficava ali nos fundos da escola quase defronte ao palacete dos Dal Zotto. Mas isso nós tirávamos de letra, pois estávamos acostumados com cavalos vacas, cabritas e outros animais com os quais convivíamos cotidianamente.

Outro perigo constante era a lagoa que ficava do lado oposto ao pocinho, no fundo da escola, na Rua Mariana Prezzi entre as terras dos Ruaro e a casa dos Munaretto, ali existia uma lagoa, que por fazer parte de nosso dia a dia era serpenteada cotidianamente sem qualquer preocupação de nossa parte.

Voltando ao final daquele inverno, em uma sexta-feira fomos informados pela direção da escola de que deveríamos comparecer no pátio às oito horas da segunda-feira onde teríamos uma surpresa.

Santa curiosidade... não existia incentivo maior para comparecer à escola em turno inverso que não a promessa de uma surpresa. E nossa imaginação viajava pelo consciente e pelo inconsciente na busca de uma resposta.

Qual seria a surpresa?

E realmente foi uma surpresa. Quase todos chegaram no horário estabelecido e fomos acantonados no pátio que ficava entre os banheiros e a sala da banda/cozinha, aquele existente entre as duas colunas de salas de aula.

A Diretora, Dona Magali com a tratávamos, sem qualquer rodeio deu a notícia, ou melhor, apresentou a surpresa.

Dona Magali anunciou aos alunos uma equipe composta por três pessoas que vestiam um impecável uniforme na cor branca, inclusive os sapatos. Maletas nas mãos, sendo uma delas enorme, e mandou formarmos uma fila imediatamente.

Eu, já ressabiado já fui me postando para trás, pois "boa coisa não deveria ser" e ao comando autoritário de sua voz escutei ela dizer:

- Meus queridos alunos, o Grupo Escolar João Triches está fazendo parte da Campanha Nacional de Erradicação da Varíola e nesta manhã todos vocês serão vacinados, e devem estar aqui na escola pontualmente às treze e trinta para o período normal de aulas. Pode começar...

Meu Deus, o caos estava instalado. Falávamos tal qual um bando de caturritas, alguns desesperados, outros apavorados, mas como gado fomos sendo colocados em bretes formados por classes e um a um fomos sendo alvejados em nossos braços.

De uma ou de outra forma eu fui cedendo meu lugar na fila e um a um meus colegas foram me deixando para trás.

Os que já tinham levado o disparo daquela máquina infernal passavam pela fila e debochavam dos que ali ainda estavam, e tremiam ao ouvir cada estampido gerado pela tal pistola.

O resultado disso foi eu ser o último a ser vacinado, receber um puchão de orelhas da Dona Magali, chegar em casa perto da uma hora da tarde, ouvir um verdadeiro sermão de minha mãe, mal comer e já retornar à escola para acompanhar a aula da terceira série onde a Dona Rosa Grazziotin, não menos severa que a Dona Magali me esperava.

*Texto escrito em 15/06/1999.

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